Walk Into Your Memory ou Como dramas leves podem ser pesados



Existem coisas que nunca deveriam ser lembradas. An Ning, protagonista do drama chinês Walk Into Your Memory, sabe disso melhor do que qualquer pessoa. Com a habilidade de ver as memórias de outras pessoas, An Ning luta constantemente para tentar enxergar a beleza do mundo, enquanto nas memórias dos outros só consegue ver dor e sofrimento.

Justamente por esse motivo, An Ning está solteira, apesar de estar na idade de casar e ter filhos. O casamento e a maternidade compulsória infelizmente são muito fortes na cultura chinesa, então muitos dramas vão ter um plot girando em torno desses tópicos. A mãe de An Ning, desesperada para que ela encontre um marido logo, vive arrumando encontros às cegas, na esperança de que a mulher consiga pelo menos arranjar um namorado, mas An Ning estraga tudo com tanta frequência que seu nome já está na lista de pessoas banidas dos aplicativos que promovem encontros às cegas. Isso porque, através de seu poder, An Ning consegue ver a maneira que seus pretendentes tratam as mulheres, além de outras coisas terríveis que eles possam ter feito que fazem com que ela não queira ter qualquer tipo de relação com esses homens.

Eis que a protagonista conhece Long Hao Qian, dono do restaurante no qual trabalha, que possui dificuldades com mulheres (ele literalmente passa mal ao tocar uma mulher) e, devido a um acontecimento traumático, perdeu cerca de 1 ano de memórias da sua adolescência. De início, os dois não se dão muito bem, mas eles acabam se tornando amigos e An Ning promete ajudá-lo a recuperar suas memórias, apesar de achar que seria melhor ele não lembrar pois, em sua concepção, é justamente a lembrança que causa o sofrimento, e não o esquecimento.

HÁ SPOILERS A PARTIR DE AGORA.



A medida em que o tempo passa, An Ning e Long Hao Qian acabam se envolvendo romanticamente, o que já é esperado. Eles chegam até a ficar noivos, apesar de todos os contratempos — outro ponto importante da sociedade chinesa é que, geralmente, pessoas ricas como CEOs casam com outras pessoas ricas para aumentar a fortuna da família; por isso, nesse meio, os casamentos são frequentemente arranjados.

É nesse momento que An Ning consegue recuperar totalmente a memória de Long Hao Qian, descobrindo que, na realidade, seu noivo estava envolvido indiretamente na morte de sua irmã mais velha 10 anos antes. Uma informação dessas não é nada fácil de digerir. Obviamente, An Ning não consegue e prefere se afastar de Long Hao Qian. Esse é um daqueles momentos em que não há certo nem errado, existe apenas uma redução de danos. Afinal de contas, o Long Hao Qian que An Ning conheceu já não tem nada a ver com aquele que esteve envolvido na morte de sua irmã, e ele mesmo não tinha as lembranças daquele momento. Seria justo culpá-lo?

Como se já não fosse o bastante, o problema não acaba aí. Existe também o peso e a culpa de se envolver com alguém que, um dia, fez mal para alguém que amamos. Especialmente porque, nesse caso, não existe nenhuma possibilidade de saber se a pessoa ficaria bem, se ela perdoaria o malfeitor e aceitaria esse envolvimento. E você tem que conviver com essa dúvida porque a pessoa simplesmente não vai voltar dos mortos pra falar “I give you my blessing”.

FIM DOS SPOILERS.

Eu acho que é justamente por conta de situações assim que eu gosto de dramas chineses. Por mais bobos que eles sejam, por mais que tenham muitos detalhes que beiram ao ridículo, frequentemente eles trazem questionamentos que não encontramos em comédias românticas ocidentais. Comecei a assistir Walk Into Your Memory pensando que seria um drama levinho, só pra esfriar a cabeça. E, de certa forma, até é. Na maior parte do tempo, é um drama cheio de situações engraçadinhas e fofinhas, com poucos conflitos verdadeiramente complicados. Até que, na reta final, somos apresentados ao maior problema de todos.

A verdade é que, no fim das contas, o que nos impede de ficar com alguém não é a não aceitação da família, a incompatibilidade dos estilos de vida ou qualquer fator externo. O que nos impede de ficar com alguém é exatamente aquilo que mais nos complica: nós mesmos, nossas emoções, nossa capacidade de perdoar e seguir em frente. E eu acho que tudo bem se a gente não conseguir. Tudo bem admitir que, talvez, só talvez, seja um pouquinho demais pra nós, que a ferida é muito profunda e não tem como ficar ao lado de alguém que, mesmo sem querer, acaba pondo o dedo nela o tempo todo.

Tudo bem não querer lembrar.

(Não vou nem falar que as coisas terminam tudo bem. Drama é drama, né galera?)

Comentários

  1. Oi Max! AAAAAAAAA Eu fiquei super interessada na história mas não achei na netflix :( Por onde você assistiu? Eu adorei a sua forma de resenhar. Me deu uma vontadinha de saber mais sobre! Tô amando seu blog!
    Beijinhos!
    https://sopadesol.blogspot.com/

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Emocionalmente retalhada: como Mãe! e Fonte da Vida quase acabaram comigo

The Birth of the Drama King