Loja de Unicórnios não é bom, mas é bom



Eu não sei porquê eu insisto em ler resenhas de filmes. Na maior parte das vezes, os autores vão apontar os pequenos defeitos do filme (e que nem sempre são defeitos) e dar um jeito de dar menos de 5 estrelas para o filme só porque tal personagem é raso ou qualquer desculpa do tipo. Eu sinto que a essência do filme é esquecida, e ele é julgado apenas por técnica, por fotografia, por possíveis simbolismos. Nas críticas que vi ao longa Loja de Unicórnios, dirigido e protagonizado pela Brie Larson (Capitã Marvel), me parece que ninguém entendeu o recado.

Trata-se de um filme estilo coming of age, ou seja, uma jovem adulta desiludida com a vida adulta real passa por uns perrengues e aprende uma lição valiosa no final. Essa questão da "imaturidade" de Kit, a protagonista, é muito bem retratada pela sua estética colorida (frequentemente associada ao universo infantil e lúdico), de modo que é difícil gostar da personagem logo de primeira, uma vez que ela parece aquelas pessoas que nunca cresceram. E, de fato, é isso que ela é: uma criança por dentro. O que tem de errado nisso? Para mim, absolutamente nada. É o propósito do filme. Mas é claro, é óbvio, que vai aparecer um cinéfilo infeliz para falar mal dos recursos estéticos usados no filme para representar certas coisas. Parece-me, sinceramente, que esse povo só gosta quando o negócio é bem mascarado, que nem vida real. Segue uma verdade: filme não é vida real.

Pois bem, empregada em um escritório aleatório onde trabalha copiando revistas, Kit se depara com convites para que ela compareça a uma loja com os seguintes dizeres: "Nós vendemos o que você quer. Nós vendemos o que você precisa". Nessa loja, Kit encontra um vendedor que promete que pode vendê-la um unicórnio de verdade que irá amá-la para todo o sempre, mas antes ela precisa passar por alguns testes para provar que merece o unicórnio.



ATENÇÃO! A partir de agora o texto contém spoilers.

Dentre os testes que Kit precisa passar para conseguir o unicórnio, está a construção de uma casa adequada para o animal místico. Algumas pessoas interpretaram isso como uma preparação para a maternidade, inclusive criticando o filme nesse ponto, pois reforça a ideia da maternidade compulsória. Acho eu que essa interpretação, além de sem sentido, é errônea.

Para começo de conversa, preciso explicar a maneira que eu interpretei o filme. Não se trata de uma história factual, mas do que se passa na subjetividade de Kit enquanto ela lida com seu próprio crescimento. Quando Kit vai à loja que vende o que ela quer e precisa, somos levados a acreditar que Kit quer um unicórnio. O próprio vendedor pergunta se não é óbvio. No entanto, ao analisar a situação de Kit, não faria sentido ela querer um pet. A necessidade (e a vontade) de Kit era a de crescer, como ela demonstra no dia em que resolve fingir ser adulta. Naquele momento, há uma vontade genuína em deixar sua infância para trás. Kit está sofrendo ao continuar no seu universo imaturo, mas para crescer ela teria que passar por um luto com o qual ela ainda não estava preparada para lidar. Entre um sofrimento inaceitável e outro, Kit simplesmente encontra outra maneira de elaborar esse luto na fantasia do unicórnio.

Construir um local para o unicórnio morar não se trata de fisicamente construir um espaço para algo novo, como um bebê ou um animal de estimação. Significa construir uma nova casa para Kit morar, uma nova base para a sua existência. Tudo isso de maneira subjetiva, é claro. Casa é onde encontramos (ou deveríamos encontrar) conforto e segurança. Kit precisa elaborar onde vai encontrar conforto e segurança nessa nova vida adulta, abandonando a casa onde encontrava conforto e segurança na infância, o que fica claro na cena em que Kit e Virgil destroem a casinha que seus pais construiram para ela brincar quando criança. Seu conforto e segurança não podem e nem devem vir de seus pais, uma vez que Kit agora é adulta. De certa forma, o filme também indica sutilmente que a protagonista está encontrando essa segurança em Virgil, assim como adultos costumam encontrar segurança em seus parceiros românticos.

Para a segunda tarefa, Kit deve se assegurar que o unicórnio estaria indo para um lugar onde há amor, pois qualquer demonstração de raiva ou ódio poderia machucar o unicórnio. Neste momento, fala-se sobre o controle emocional que é esperado de um adulto, mas não de uma criança. Também se fala sobre a relação que Kit tem com seus pais. Esta, na vida adulta, deve ser harmônica. O tempo de brigas entre pais e filhos já acabou, afinal, ela não é mais uma criança irresponsável, nem uma adolescente rebelde. Sabemos, é claro, que na vida real dificilmente é assim, mas a ideia geral do que é esperado na vida adulta é essa. A resposta de Kit, ao ver essa tarefa, é exatamente o contrário do que ela pede: Kit tem um chilique e briga com o vendedor. Nesta parte do filme, a protagonista passa por vários momentos em que suas emoções tomam conta de si e ela acaba tendo prejuízos por isso. Apenas quando aprende a pedir desculpas e regular melhor suas emoções, ou seja, apenas quando apresenta traços de responsabilidade emocional, é que Kit consegue falar com o vendedor novamente e, finalmente, ir buscar o unicórnio.

Ao conversar com o unicórnio na penúltima cena, Kit não está de fato conversando com alguém, mas sim consigo mesma, especialmente a parte de si que estaria deixando no passado. Diz a si mesma tudo aquilo que precisava (e queria) ouvir de alguém. Depois, percebe que não tem espaço para o unicórnio em sua vida atual, ou seja, não tem espaço para seu eu antigo, e deixa ele ir. Tudo bem, tem gente que não gosta de finais com "mensagens de autoajuda". Isso é o gosto de cada um. Mas não reconhecer que se trata de uma questão profunda com a qual muitas pessoas (eu inclusa) vão se identificar já chega a ser sacanagem. É não saber apreciar uma obra de arte, por mais que ela não te toque pessoalmente.

Como já foi dito, na minha perspectiva, a história contada se passa no interior de Kit. Ainda que hajam testemunhas do encontro de Kit com o unicórnio (alô, Virgil), não se trata de uma situação que aconteceu de verdade. Aquilo aconteceu apenas na subjetividade de Kit, não havendo qualquer unicórnio (ou até mesmo loja e vendedor) em nenhum momento, mas, para Kit, a vivência foi assim e, na sua concepção, Virgil também vivenciou da mesma forma, o que justificaria a maneira como esse encontro foi retratado no filme.

No final do filme, vemos também que Kit indica a loja para outra pessoa. A placa da loja muda, o que pode significar que o conteúdo vendido muda também. Essa cena reforça a ideia de que se trata de algo que acontece no subjetivo e agora outra mulher irá passar pelo mesmo processo de luto ao abandonar seu eu de maneira fantasiosa.

Por fim, gostaria de dizer que, para mim, Loja de Unicórnios é um filme bom. Não porque é bem feito, não porque tem uma super história, mas simplesmente porque conversa comigo. Para mim, esse é o critério mais importante em um filme, acima de qualquer outra coisa. Por isso, apesar de admitir que Loja de Unicórnios não é para todos porque realmente não é um filme super uau, eu ainda achei um bom filme. Nunca mais leio críticas dos outros. É isto.

Comentários

  1. Olá Max!

    Primeiro, você tem total razão sobre os olheiros de shopping. Eles queriam que eu pagasse $1000 pelo book fotográfico da minha filha, pra só depois arrumar alguns trabalhos de publicidade pra ela. Eu fiquei ??? Você paga para talvez trabalhar. Mas enfim, de qualquer forma acho ela muito nova pra isso agora. Ah, e você achou os meus olhos lindos, obrigada ❤

    Esse filme eu vi por cima (minha mãe estava assistindo e eu assisti fazendo outras mil coisas). Tinha achado legal, e fiquei de assistir direito, agora com essa sua resenha me deu mais vontade ainda. Acho que preciso passar por esse mesmo processo que a Kit. Mesmo sendo mãe, ainda me sinto muito infantil. Crescer não é fácil.
    Eu com certeza vou assistir filme e prestar atenção. Sua analise foi ótima!

    Beijos e até mais ❤

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  2. aaaaaaaaaa eu amei tanto este filme! parecia que estava a sonhar ao vê-lo; faz zero sentido, mas ao mesmo tempo faz tanto sentido. e isso é tão delicioso.

    e concordo contigo: filme não é vida real!!!
    li este post no tumblr no outro dia e acho que se adequa tanto: "literally a movie is good if you vibe with it and bad if you don’t vibe with it i don’t know how to state this any clearer for you letterboxd losers" eheh

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